Por deboche ou não, boa parte das professoras brasileiras, em algum momento da carreira, já ouviu a incômoda pergunta: “você trabalha ou só dá aula”? Fato é, que não é difícil encontrar professoras da educação básica desempenhando outras funções, além de dar aula.
Longe de desvalorizar o magistério, professoras empreendem em outras áreas. Seja para ajudar no orçamento da família, exercer um outro dom, ou simplesmente para ajudar o próximo. E sim, elas encontram muitas semelhanças nas duas carreiras que conciliam com maestria.
Conheça a trajetória profissional de três professoras, empreendedoras fora da sala de aula.
Criatividade e organização
Formada em Licenciatura Plena em Ciências Biológicas, Pós-graduada em Biologia da Conservação, Silvete Cupertino, 36 anos, é professora de Ciências do 6° ao 9° ano do Ensino fundamental II. Com talento para trabalhos manuais e incentivada pela mãe, em 2016 ela resolveu produzir acessórios feitos à mão com estilo de semijoias.
A ideia inicial era fazer apenas para ela, mas as pessoas começaram a gostar e encomendar. Silvete começou a divulgar seu trabalho nas redes sociais e atualmente vende para o Brasil todo. Dando aula nos dois turnos, ela se dedica as produções a noite, finais de semana e feriados. Também é preciso muita organização para administrar bem as duas carreiras.
Além de ser algo prazeroso, Silvete diz que a venda das peças se tornou uma segunda fonte de renda. “Para mim é terapia. Relaxamento. Alivia o estresse e a ansiedade do dia a dia. Hoje o artesanato se tornou minha segunda fonte de renda, pois infelizmente o salário do professor é desvalorizado”.
O que tem em comum entre as duas atividades: “criatividade. No trabalho de artesã preciso ser criativa, e como professora preciso ter criatividade para tornar a aula atraente. Muitas vezes só tenho o quadro e giz e fazer a aula ficar interessante requer de mim muita criatividade”.
Apesar dos incentivos para deixar a docência e continuar só com artesanato, Silvete não se vê fora da sala de aula. Quem sabe um dia lecionar apenas um horário e se dedicar mais ao artesanato. “Sou apaixonada pela educação, e pelo artesanato, enquanto eu conseguir pretendo manter as duas atividades. No futuro quem sabe trabalhar só um horário do dia com artesanato e outro horário como professora”.
“Ser professora hoje em dia é um grande desafio. Hoje não significa só repassar conteúdo, mas tenho a responsabilidade e o compromisso de preparar o aluno para se tornar um cidadão que participe da sociedade, que saiba lutar pelos seus direitos e acima de tudo cumprir com os seus deveres. Ser professora é a minha vida. Amo a profissão que escolhi”.
Voluntariado a serviço da aprendizagem
Professora há oito anos Carla Caldara Dadalto Magnago, 31, é pós-graduada em educação infantil e anos iniciais e trabalha com educação infantil. Mãe de dois filhos pequenos, em 2017, após o nascimento da sua primeira filha, Carla, que teve parto normal com o acompanhamento de doula, sentiu o desejo de ajudar outras mães nesse momento tão importante da vida da mulher e resolveu fazer o curso de doula.
“Eu senti que podia ajudar e inspirar outras mulheres a realizar o sonho de ter parto normal, ou mesmo promover nelas o desejo de ter seus filhos de parto normal, que muitas não têm, tem medo, e então decidi fazer o curso de doula”, conta Carla.
Quando já estava participando de encontros com gestantes e acompanhando alguns partos, engravidou do seu segundo filho e precisou dar um tempo. Carla diz que no início deste ano, em uma missa, recebeu um chamado e sentiu que precisa voltar a ajudar as gestantes. Todas as sextas-feiras, na parte da tarde, Carla atende voluntariamente na maternidade do Hospital Rio Doce.
“Em uma missa com o Padre Maurício eu falo que recebi um chamado, eu senti que precisava voltar a fazer o que me fazia bem, que é ajudar outras gestantes. E para começar, para pegar experiência, decidi fazer esse trabalho voluntário. Ajudar mulheres que não tem condições de ter uma doula. Além de aprender mais sobre a doulagem o trabalho voluntário me faz bem, sempre gostei de ajudar as pessoas, de me doar um pouco para o outro, e essa é uma maneira de ajudar sem esperar nada em troca”
Mesmo apaixonada pela educação Carla diz que já pensou muitas vezes em deixar a sala de aula para se dedicar integralmente a doulagem, porém, o fato de ser efetiva na rede municipal de Sooretama, e ter uma segurança profissional e financeira, falou mais alto nesse momento. Para ela as duas profissões envolvem aprendizagens e descobertas e, portanto, são muito semelhantes,
“A educação para mãe não é diferente da educação para criança. Na sala de aula eu ensino a criança a reconhecer as letras, as formas, escrever o próprio nome, e na doulagem não é diferente. Eu ensino a mulher reconhecer o próprio corpo, reconhecer as fases do trabalho de parto, identificar o que está acontecendo com ela, e entender que aquilo é normal”.
Empreendedorismo e força de vontade
Nadyeda Rigotti Bissoli, 42 anos, é professora há 16. Formada em Normal Superior, tem duas pós-graduações, na área de Ensino fundamental e Educação Infantil, trabalha na rede municipal de ensino de Linhares no turno matutino. Desde de criança Nadia, como é conhecida, sonhava em dar aula. Para ela é mais que uma profissão, é uma missão.
“Dar aula é mais que vocação é missão, a gente se depara com tantas histórias felizes, mas também muito triste, e temos que ter todo cuidado e carinho, acolhendo, guiando, mostrando o caminho certo, ensinando e aprendendo. Eu amo dar aula, trabalhar com crianças pequenas é um privilégio e eu tenho muito orgulho de dizer que sou professora”.
Enquanto não tinha os filhos ela trabalhava o dia todo dando aula, quando veio o primeiro filho passou para meio horário. Entre uma gravidez e outra resolveu fazer cursos na área da estética e conciliou por dois anos as duas profissões.
Após o nascimento do segundo filho foi parando aos poucos até parar de vez, e ficou só na escola. “Algo me incomodava, queria empreender em alguma coisa que me proporcionasse trabalhar sem sair de casa e sem depender de ninguém para ficar com meus filhos”, diz Nadia.
Filha de artesã sempre gostou de trabalhos manuais, e como boa professora que é, ela tem sempre uma caixinha de aviamentos, evas, agulhas, colas e etc. Juntou as duas coisas e fez um laço. Perguntou ao esposo se tinha ficado bom, e ele, bem detalhista, disse que ficou lindo.
Foi o suficiente para Nadia se animar. Foi ao armarinho comprou alguns aviamentos para laço, foi para internet pesquisar e se inspirar, e fez mais um laço. Mais uma vez pediu a opinião do esposo e ele disse que ficou lindo. “Então eu disse, vou empreender no mundo dos laços”, e assim nasceu Laços de Sophia.
“Amo as duas profissões, acredito que as duas sempre estiveram dentro de mim. Quando era criança amava dar aula para minhas bonecas e adorava fazer as roupinhas e móveis das minhas bonecas, então as duas para mim se completam. Vejo no magistério uma missão de transformar conhecimento em sonhos de vida, e no artesanato também, pois não faço somente laços, faço sonhos em forma de laços”.
Fotos: Arquivos pessoais